sábado, 30 de junho de 2018

Negros jogam e brancos pensam...O RACISMO da superioridade branca!




Por Pedro Borges, do Alma Preta

A existência de um único treinador negro no mundial chamou a atenção de parte da opinião pública e foi inclusive notícia entre os principais veículos de comunicação no país. Além de ser o único comandante negro, Aliou Cissé, técnico de Senegal, é também o profissional com a pior remuneração anual entre os treinadores da competição.


O que a mídia esqueceu de abordar, porém, é o porquê Cissé é o único negro e o técnico com pior salário da Copa.

A mídia também esqueceu de denunciar as manifestações racistas de jornalistas de grandes emissoras durante as partidas de seleções africanas. O racismo por aqui é tão naturalizado, que parece ser normal classificar o negro como inocente ou desorganizado.

Ambos fatos, motivados pelo mesmo princípio racista, exigem uma reflexão sobre o mercado de trabalho e as relações raciais no Brasil e no mundo.

O futebol não está a par da sociedade e é preciso lembrar que existe no mundo uma política de supremacia branca que define quais grupos raciais são “racionais” e quais são “emocionais”.

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Inspirado na teoria da evolução das espécies de Charles Darwin, Herbert Spencer desenvolveu a teoria do evolucionismo social, conceito “científico” que hierarquizava as raças. É essa tese que fortalece a ideia de que a raça branca é superior porque é a representação da razão, enquanto a negra, a última entre os grupos raciais do mundo, é identificada pela emoção.

A força do racismo é tão grande que o negro, mesmo reconhecido como craque ou gênio, não é tido como capaz para pensar futebol. Por isso, Cissé é o único treinador, papel que por excelência é a representação da racionalidade.

E é essa mesma lógica, que descreve o negro como o “corpo” e o branco como a “mente”, que explica os comentários racistas de jornalistas durante os jogos das seleções africanas no torneio. Vamos listar alguns.

Pouco organizados. Apesar de talentosos e rápidos, negros não são capazes de se organizar ou construir estratégias, o que os torna em presas fáceis diante da inteligência europeia ou mesmo asiática.

Quando as seleções africanas perdem uma partida, a justificativa costuma ser a falta de organização tática, não o fato de que alguns times africanos são apenas piores do que os seus adversários.

A saída para esse problema, muitas vezes, é a contratação de um treinador branco para tentar “organizar” a equipe com a racionalidade europeia. Curioso é que a melhor equipe africana no torneio foi Senegal, a única comandada por um negro.

Fortes. Ressaltar a força do negro é, na mesma medida, apontar os demais grupos como detentores da razão, em especial os brancos, e reafirmar o espaço do negro de possuir apenas o corpo.

No imaginário social brasileiro, isso é bastante presente. O negro ainda é visto como o escravo, ou seja, aquele sujeito que deve ser encarregado de trabalhos braçais. Não à toa, ofícios manuais, que demandam o uso da força, são destinados a negros, enquanto funções de comando, posições que exigem a inteligência, são atribuídas a brancos.

Festivos. Mesmo afirmações que aparentemente são positivas reforçam o lugar social do negro. Quando comentaristas exaltam a alegria e a festa do africano, sujeito envolto pela emoção, reforçam a ideia de que não cabe ao negro a função de racionalizar, porque ele desempenha bem aquilo – a festa, a dança e o drible.

Inocentes. Não é de hoje que essa afirmação infantiliza o africano ou afrodescendente, e ao final, permite a continuidade da hierarquia entre o negro e o branco.

A criança, que precisa ficar sob a guarda e a atenção dos adultos, ainda não tem a total maturidade do ponto de vista racional. Ainda enquanto criança, ela apenas sente, tem dificuldade para se expressar e precisa viver sob a tutela do adulto.

No mundo do trabalho, é possível trocar a criança pelo negro, e o adulto pelo branco. No esporte, a dinâmica se repete. É preciso que se tenha um branco coordenando a ação do negro.

Times africanos. As seleções de Senegal, Nigéria, Egito, Marrocos e Tunísia não parecem ser times nacionais, mas sim equipes africanas – o continente parece ser uma coisa única.



As demais seleções são descritas como portuguesas ou espanholas, por exemplo, sendo poucas vezes nomeadas como europeias e detentoras, inclusive, de uma identidade singular. Parece existir uma forma de jogar do português, outra do espanhol, e uma outra do africano, sem qualquer distinção entre o egípcio e o nigeriano.

Estes comentários, amplamente naturalizados no cotidiano brasileiro, demonstram a força do racismo entre nós e reiteram a necessidade da Lei 10.639, aquela que exige o ensino da história afro-brasileira e africana nas escolas.

É preciso conhecer sobre as relações raciais no Brasil e no mundo para questionar e atuar de maneira mais contundente para desnaturalizar os lugares raciais de cada grupo.

Só assim, poderemos deixar de acompanhar jornalistas vociferando o racismo em rede nacional e perpetuando as hierarquias raciais existentes no Brasil e no mundo. É preciso repudiar qualquer forma de infantilizar o negro, ou mesmo o reduzir ao corpo. O nome disso é racismo.

Até que esse debate sobre as relações raciais avance e que os comentários esportivos melhorem, Aliou Cissé continuará a ser o único treinador negro em torneios internacionais e o Brasil manterá no seu campeonato nacional a mesma reprodução do racismo: negros jogam e brancos pensam.