Alguém está sendo feito de bobo na história da fuga espetacular que não houve de chefes do PCC.
Postado em 28 Feb 2014
A história do suposto plano de fuga
de chefes do PCC teve, provavelmente, a cobertura mais ampla jamais
dada a um evento que não aconteceu e que tem mais furos do que um queijo
emmental.
Há dias, uma matéria “exclusiva” estava na Carta Capital, no SBT
Brasil e no Estadão, repercutindo em seguida em todo lugar. Um relatório
do setor de inteligência do Gaeco, Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime
Organizado, do Ministério Público, dava conta de um esquema para tirar
Marcola e outros três líderes do PCC da penitenciária de Presidente
Venceslau, interior do estado.
O plano, segundo a polícia, estava sendo arquitetado há oito meses.
Os criminosos estariam serrando as grades das janelas de suas celas,
colocando-as de volta em seguida, devidamente pintadas. Eles sairiam
dali para uma área do presídio sem cobertura de cabos de aço,
onde seriam içados por um helicóptero com adesivos da Polícia Militar.
Uma segunda aeronave, blindada e com armamento pesado, daria cobertura.
Membros da facção teriam tido aulas de pilotagem no Campo de Marte
com um dos sujeitos que foram detidos carregando cocaína no helicóptero
dos Perrellas. O destino do bando seria Loanda, no Paraná, distante 240
quilômetros. Ali haveria uma chácara e um avião para levá-los ao
Paraguai.
O tal vazamento criou situações surreais. O Estadão publicou que os
policiais estavam de tocaia aguardando os criminosos em Venceslau. A
Globo foi até lá. No Jornal Nacional, um repórter perguntava, sussurrando, a um franco atirador como funcionava a arma dele. Diante da falta de ação, era o jeito.
O governador Geraldo Alckmin confirmou a existência do ardil e
elogiou a corporação na rádio Jovem Pan. “Primeiro, o empenho da polícia
de São Paulo, 24 horas,
permanentemente, contra qualquer tipo de organização criminosa, tenha a
sigla que tiver. São Paulo não retroage, não se intimida. É a maior
polícia do Brasil, mais preparada. Segundo, em relação a esse caso, a
polícia investigou e, lamentavelmente, isso acabou vazando. Mas a
polícia está toda preparada e nós temos um esforço grande nesse
trabalho”.
Tudo bem que não temos um FBI ou uma Scotland Yard — talvez a Sûreté
do Inspetor Clouseau –, mas, se a inteligência policial é tão preparada,
como é que um relatório desses é divulgado dessa maneira? E, se a coisa
era tão perigosa, com dois helicópteros cheios de homens com fuzis e metralhadoras, o que explica a presença de toda a imprensa no local?
Por fim, se o PCC é capaz de elaborar uma escapada nesse nível de
complexidade, como alguém suporia que algum de seus capangas fosse fazer
qualquer coisa depois que a notícia estava no jornal, na TV, na
internet etc?
O plano é digno de um filme de Bruce Wilis. Pode ser real? Sim. O PCC
é rico e organizado. Mas a socióloga Camila Dias Nunes, autora do livro
“PCC – Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência”, duvida. Em
entrevista ao site Spresso SP, ela afirma que considera tudo mirabolante
demais. “Ao que tudo indica, o Marcola, por exemplo, possui uma
capacidade muito grande de fazer ações bem planejadas. Então, eu acho
que ele não seria burro de pôr em prática um plano como esse”, declarou.
“Todos esses presos estão cansados de saber que suas ligações
telefônicas são monitoradas, tanto pelo Ministério Público como pela
polícia. É um amadorismo que não está de acordo com o perfil do
Marcola”.
Tudo teria partido da interceptação de uma ligação entre o bandido
Claudio Barbará da Silva, o Bin Laden, que está em Venceslau, e sua
mulher, realizada pela Secretaria da Administração Penitenciária,
comandada por Lourival Gomes. Por causa do vazamento, estaria havendo
uma briga nos bastidores com a Secretaria de Segurança Pública, cujo
titular é Fernando Grella.
Uma explicação para essa incrível batalha campal que nunca aconteceu
são as eleições. Sem dar um único tiro, Alckmin saiu vitorioso. Os
quatro fugitivos que nunca foram vão para outro regime prisional mais
rigoroso. Mas a sensação que resta é de que, no meio de um teatro do
absurdo, estão tentando fazer muita gente de boba. Você, inclusive.
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