Porque complexo de vira-lata?
Esse pensamento só se dá porque, como na música "Querelas do Brasil", de Aldir Blanc e Mauricio Tapajos, eternizada na voz de Elis Regina, "O Brazil não conhece o Brasil / O Brasil nunca foi ao Brazil."
Não obstante a sutileza da letra, que coloca Brasil com "s" e Brazil com "z", referido-se ao estrangeiro, que não nos conhece e nem nos merece, eu agora refiro-me ao próprio Povo Brasileiro, que, por desconhecimento histórico, se desmerece e também o Brasil. Pois bem. Para lastrear meu pensamento, peço licença para fazer algumas comparações gerais do Brasil com os EUA desde os tempos coloniais.
A colonização do que hoje chamamos EUA, data do começo do século XVII, com a fundação da colônia da Virgínia, em 1607. Nas Treze Colônias, a colonização se deu em dois modelos: no Norte, a colonização de povoamento, baseado na agricultura familiar, no trabalho livre e na manufatura; já no Sul, a exemplo do que ocorreu no Brasil, se deu a colonização de exploração, baseada no "plantation", basicamente monocultura , latifúndio e trabalho escravo africano.
Ao contrário do colonizador Espanhol e Português, que eram extremamente controladores e vigilantes, os Ingleses deixaram as Treze Colônias -que iriam formar os EUA-, à vontade durante mais de cem anos, e mais à vontade ainda ficaram as Colônias do Norte, por ter clima temperado, portanto, com características geomorfoclimaticas da Europa, assim, o que produziam era facilmente encotrado também na Europa. A mão de obra era preponderante o trabalho livre e familiar, e as atividades econômicas de destaque eram a manufatura, a produção de navios e a pesca, e o mercado triangular era importante para a economia local, portanto, já faziam comércio com três Continentes. Esta leniência que a Inglaterra tinha com suas Colonias levou o nome de "Negligência Salutar", claro, salutar para os colonos que nadavam de braçada, trabalhando e acumulado para si e suas famílias, portanto, ao contrário do que se deu por aqui, o dinheiro ganho ficava nas colônias.
A Inglaterra só veio a ter um olhar mais vigilante para as Treze Colônias, em função da Guerra dos Sete Anos que teve com a França, conflito que ocorrereu entre 1756 e 1763 e, embora a Inglaterra tenha saído vitoriosa, ficou com suas finanças comprometidas e, inclusive antes do término da guerra, a partir de 1760, resolveu arrochar as Treze Colônias, com com taxas e altos impostos, a exemplo da Lei do Açúcar, Lei do Selo (sensura disfarçada para que o povo não soubesse das ideias iluministas), Lei da Hospedagem, enfim.
Tudo isso desagradou os colonos, que na festa do Chá de Boston, se disfarçaram de índios, invadiram um navio Inglês e jogaram ao mar toda a mercadoria com destino à Inglaterra. Depois desse episódio e demais que não não cabem aqui narrar, em 4 de julho de 1776, os colonos resolveram declarar a independência, que culminou com Revolução Americana, conflito que durou seis anos. A guerra foi tão sangrenta e tão longa que Jorge Washington, comandante das tropas formadas por fazendeiros, ferreiros, comerciantes, enfim, contra o Exército Inglês, traquejado no campo de batalha, escreveu no seu diário que se a ajuda francesa não viesse em duas semanas, eles perderian a guerra. Para a sorte deles, a ajuda da França veio, trazendo consigo também a Espanha. Essa decisão da França, de apoiar os colonos americanos enfraqueceu a economia francesa e foi um dos fatores para a Revolução Francesa de 1789, mas isso é tema para outro momento.
Para finalizar a minha singela intervenção, pontuo que a nossa colonização, ao contrário da que se deu nas Treze Colônias, foi somente de exploração, com as características que já descrevi acima, tendo uma vigilância e controle ferrenhos, além do chamado "Pacto Colonial" onde só podíamos comercializar com Portugal a preços baixíssimos e, para acabar de nos ferrar, fomos proibidos por Marques de Pombal de produzir manufaturas, e, por fim, a assinatura por D. João VI, em 1810, dos Tratados de Aliança e Amizade, que liquidou a soberania e a economia do Brasil e de Portugal, também, onde os produtos ingleses sofriam uma taxação de 15%, ou seja, abaixo da taxação dos produtos portugueses, que pagavam 16%, bem abaixo da dos demais países, que pagavam 24% em nossas alfândegas.
Some-se a isso, as nossas revoltas separatistas, encabeçadas pela elite escravagista, em regra não havia adesão popular, e quando houve, a exemplo, da Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates, quando se tocava na questão dos escravos, a elite deixava o povo à própria sorte, sem contar que jamais tivemos uma França e uma Espanha do nosso lado.
Não escrevo isso para que deitemos em berço esplêndido, ou para ficarmos como um cão sarnento lambendo feridas, porque a história foi de certa forma vilã com a gente (ela é assim), mas para que possamos refletir e, de cabeça erguida, pegarmos o timão dessa grande e poderosa nave chamada Brasil e fazermos jus à memória dos nossos antepassados (do que excluo a elite de ontem e de hoje), que jamais perderam a esperança e lutaram incansavelmente para nos trazer até aqui, sabendo que é ingenuidade pensar que as nações desenvolvidas querem o nosso bem.
Amigo é a puta que pariu!
Migalhas do bispo 12/06/2021.