sexta-feira, 19 de novembro de 2021

10 anos sem Raberuan.

 



O Raberuan nos deixou. Certamente não da forma que ele queria, nem na hora que a gente queria. Talvez um colapso em cima do palco, um acidente ou até uma overdose de qualquer coisa, menos cama, hospital e sofrimento. Qualquer coisa, menos a imagem de um pequeno gênio, que ele foi, à mercê da sorte e da misericórdia, com o semblante mostrando toda a fragilidade de quem sabe que está perdendo a luta pela vida. O Raberuan que conheci em 79 quando esteve em minha casa junto com seu parceiro Sacha Arcanjo, me pareceu mais uma daquelas figuras frágeis que vivem da ilusão da poesia, do mundo de paz e amor, da inconseqüência da juventude, que pedem ponta de cigarro ou de baseado, não usam relógio e quase sempre carregam um violão qualquer com um adesivo ou frase dos anos sessenta em seu bojo. Mas aqueles olhos brilhantes, os cabelos encaracolados, a suavidade na voz que vez por outra dizia uma gíria da minha vila e o fino trato com as cordas e com as palavras, me mostraram que ali, bem à minha frente estava sim, uma das figuras mais emblemáticas e inquietas que eu iria conhecer pelo resto de minha vida. Tempos depois, com maior convivência e com a chance de conhecer de perto sua arte, em todos os sentidos, logo cheguei à conclusão que ele tinha sido colocado em lugar errado e que estava jogando fora um talento que Deus permite a poucos mortais, à medida em que o tempo passou. Acho que eu sempre estive certo. O tempo passa muito rápido, é cruel, e geralmente castiga quem pega o caminho errado. Ele nos fazia parecer ridículos, às vezes, sem maldade e achá-lo arrogante. Quase sempre por falta de senso, ou por orgulho de quem nasceu limitado. Viveu intensamente seus relacionamentos sem medir conseqüências e, tenho certeza, foi um cara muito amado durante toda a sua vida. Não quero nesse momento falar de sua música, que bem conheço, de seus parceiros, que também conheço, nem de sua vida pessoal, que pouco ou nada conheço. Quero sim, tentar amenizar esse golpe que só sente quem de fato conheceu esse magrelo de Ermelino Matarazzo nas noitadas, nas cantorias de palco de praça e de rua, nas viagens, nas conversas travadas em verso e prosa, que ele muito gostava, quem andou lado a lado falando das mazelas da vida, do amor, da dor, da fome e do sonho da fartura. Do sucesso e da realidade. Muitos pensam terem sido seu amigo, sem saber que, na verdade, ele sim é que escolhia suas amizades a quem se entregava com dedicação. Infelizmente tenho que dizer que amigos de fato, Raberuan teve poucos. Aqueles que receberam seu carinho incondicional sabem do que estou falando. Privilegiados, sim aqueles que tiveram o prazer de ficar próximo e absorver um pouco de sua energia singular. Feliz de quem ouviu suas canções entoadas ao vivo na esquina, sentados no meio fio, no quintal do Sacha, ou na sala do Akira. Na rua, na praça, no trem, em qualquer lugar simples onde o gênio de fato se sente bem. Privilegiados, também, aqueles que tiveram chance de conversar, conhecer e aprender com esse cara que, com certeza teria sido amigo de Lou Reed, Iggy Pop, Janis, Baudelaire ou Augusto dos Anjos se tivesse nascido próximo a eles, pelo grau de inquietação que o torna parecido com pessoas desse gênero. Mas surgiu em outro tempo, outro lugar e escolheu Sacha, Akira, Edvaldo, Severino, Claudinho e outras tantas almas fora de seu devido lugar, num bairro pobre qualquer do mundo chamado São Miguel. Preferiu ficar entre os simples mortais, parceiros de lutas, alegrias e tristezas, que também procuram seu lugar ao sol, e deu sua contribuição honesta e valorosa a quem com ele quis aprender. Fica a minha dor, a minha saudade. Fica o meu respeito e o conforto de saber que ele irá se juntar em algum plano a outros caros amigos que há pouco também nos deixaram. E que sua obra permanecerá para sempre. Seu corpo descansou, sua alma continua viva. Seu nome não será esquecido. Raberuan, dê lembranças aos nossos amigos que o esperam. Peço a Deus que te abençoe e agradeço em nome de todos que ficaram pelo prazer e o privilégio de sua breve companhia.
Texto de José Vicente de Lima – 19.11.2011  . Poeta e escritor do Livro A(po)ética.Criador da pagina Viva MPA, onde resgata grande parte da obra do Movimento Popular de Arte-MPA de São Miguel Paulista, Artista plástico.




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