A literatura não vai bem. Assim pensa Jair Bolsonaro, político fluminense,
humanista de fôlego e intelectual influente nas rodas mais liberais da
dissidência radical de extrema direita. “A sem-vergonhice vem de muito tempo”,
ponderou o deputado, ao lado de seu fuzil de estimação. “Já nas peças de
Sófocles a gente vê filho dando em cima de mãe, irmã desrespeitando a Lei e a
Ordem e uma conversa mole de democracia que soa a socialismo. E por todos os
lados, uma multidão de mestiços lúbricos desencaminhando a soldadesca. Eu decidi
agir.” Depois de assumir, com sucesso, a redação dos novos kits escolares contra
a homofobia, nos quais ensina a caridade e a tolerância – “casais homossexuais
só devem ser discriminados quando os noivos forem do mesmo sexo” –, Bolsonaro
lança-se agora numa ambiciosa empreitada editorial: reduzir a literatura
universal a quinze títulos (“o mesmo número de balas da minha Glock”), os quais
formarão a “A Biblioteca Varonil Bolsonaro”. Os volumes serão reescritos por
renomados eruditos de modo a corrigir pequenas distorções do texto original.
Adotando os melhores princípios do rigor acadêmico, da moralidade cristã e da
moderna teoria eugênica, na BVB todos os homens serão brancos, todas as mulheres
serão castas e Preta Gil será invariavelmente presa. The piauí
Herald adianta os primeiros lançamentos.
Na edição revista, Augusto
não resiste aos avanços libidinosos de Carolina, a Moreninha do título, e morre
de exaustão. “O livro é bom, mas faltou ao Joaquim Manoel de Macedo ser macho
para dizer o que saltava aos olhos da sociedade do seu tempo, ou seja, que essas
moreninhas são todas umas pitonisas do sexo.” Baseado nas evidências do romance,
Bolsonaro pediu a prisão de Preta Gil.
Casa Grande & DependênciasPor Carlos Alberto Brilhante Ustra
“Senzala é um termo típico de intelectualzinho de esquerda,
daqueles bem afetadinhos que chamam revolução militar de golpe”, observa
Bolsonaro, em erudita nota introdutória à nova edição renomeada do clássico de
Gilberto Freyre. “Dizem que Freyre era de direita, mas é óbvio que o homem tinha
mais inclinação pela esquerda do que esse Chico Buarque. A historiografia mostra
que as senzalas eram espaçosas e arejadas, com palha de boa qualidade no chão.”
Bolsonaro destaca a importância dos capítulos que tratam do conúbio carnal entre
brancos e negros. O livro se tornou peça-chave da ação criminal contra Preta Gil.
Lançamentos futuros
Guerra e Paz
Por Mike Tyson
Na versão encomendada
a Tyson, as 900 páginas do clássico russo são reduzidas a 200. “Só interessa a
parte da guerra. Paz é coisa de maconheiro”, explica o deputado, que publicará o
livro com o título de Guerra e Mais Guerra. A edição oferecerá
possibilidades de merchandising para anunciantes da indústria bélica. “‘Imaginem
se o Príncipe Andrei souber que estive em poder dos [aviões Mirage,
submarinos nucleares classe Scorpène, helicópteros Cougar] franceses!’,
exclamou a princesa Maria Nikolayevna Bolkonski. “Que eu, a filha do Príncipe
Nicolau Bolkonski, pedi ao General Rameau que me protegesse [com uma pistola
Sig-Sauer P220 com corpo de polímero] e que aceitei o seu
favor!’”
No coração das trevas
Por Nuno Leal
Maia
Jair Bolsonaro aproveita apenas o título do clássico de Joseph
Conrad. O livro inaugura a coleção de coffee table books assinada pela
mãe do deputado, dona Jeruza Bolsonaro. Luxuoso e fartamente ilustrado, este
primeiro volume é um convite para que o leitor viaje pelas soluções criativas de
decoração que Preta Gil encontrou para suas residências.
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