Era dia dos namorados. a essa altura, eu o visitava todos os dias. acamado, sem falar, cada dia ia perdendo um desejo. chorava muito. acenava pra que lhes colocássemos os óculos e ligássemos a tv para poder chorar sem que víssemos. as lágrimas sobre a pele do tom mais escuro deixavam um rastro de sal seco. não comia mais, não bebia água. a vida foi saindo. aquilo doía demais.
era dia dos namorados e levei uma bromélia pra ele. deixei na sala e segurando sua mão disse pra que não tivesse medo. ali prometi que cuidaria de nós. que sua jornada seria incrível noutro plano sem dor e que eu estava certa de que um panteão de pretos velhos, reis e rainhas de africas ancestrais estavam a lhe esperar. via a imagem de um trono e muitos deles envolta. o trono em que ele se sentaria e seria levado para um jardim para descansar ao sol desse corpo carma encarnado na terra. deixei essa imagem no silêncio de nosso embargo. pedi que não tivesse medo. me despedi de minha mãe, e fui pra casa amamentar Rubi.
todo o caminho da penha até pompéia, chorei.
quando cheguei em casa, o telefone fixo tocou. era minha mãe me dizendo: fica em paz minha filha, seu pai te esperou sair para sair tbm. o papai já foi - me disse com choro calmo.
eles ficaram sozinhos para a reflexão deste último dia dos namorados em que ela lavaria seu corpo, perfumaria e colocaria sua roupa predileta. ela o encheu de orquídeas por todo o corpo como um vaso fértil. ele era seu xaxim de sorte e revés.
desde lá, há dezessete anos, não tem um único dia em que eu não pense nele. e tento cumprir minha promessa de cuidar de nós com a esperança daquela imagem de luz, onde imagino ele a nos vigiar, leve, tocando violão num campo neon.
Itamar Assumpção
13/09/1949 - 12/06/2003
(Anelis Assumpção)
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